Uma análise da relação entre apresença jesuítica e as estratégias de colonização na capitania do Rio Grande
RESUMO
A Companhia de Jesus, ordem única e singular da Igreja Católica, tem sido de difícil interpretação para os acadêmicos dado o grande espectro de atividades que exerciam.
A partir de uma breve análise de carta escrita por um missionário na Capitânia do Rio Grande, buscamos os elementos para acrescentar mais uma habilidade a estes recursivos homens de Deus, o de prospectores. A carta aludida contém detalhadas informações sobre os diversos mananciais de água e tipos de solo na Capitânia, assim como dado cartográficos precisos, dados de relevante importância para o desenvolvimento das atividades agrícolas, em especial ao plantio da cultura da cana, cultura exigente nas condições de plantio. Realizando um trabalho extremamente técnico e minucioso, os jesuítas dão indícios de outras aptidões, além de servir a espiritualidade. Este trabalho tenta apontar possíveis estratégias por detrás das missões evangelizadoras dos missionários da Companhia de Jesus, analisando dados cartográficos, geográficos, geológicos e agrícolas, e confrontado-os com os dados contidos na Carta, dando outras possíveis funções a que estavam encarregados, além de seu tradicional serviço clerical.
Palavras-chave: jesuítas – colonização – igreja católica.
A Companhia de Jesus fundada por Inácio de Brandão Loyola nasceu sobre a égide da contra-reforma, e se destacou das demais ordens religiosas católicas pela peculiar regra da obediência, seguindo a doutrina tridentina2, a chamada romanização, em que juravam obediência ao papa, a polivalência, ou seja a capacidade de assumir diversos funções além da de religiosos, e o ascetismo. Diferente das demais ordens, a Companhia instituiu uma rigorosa seleção de seus membros, baseada em suas aptidões psicológicas, intelectuais e físicas, atributos que nunca haviam se aplicados de forma conjunta até então. Seguiam um plano de estudos conhecido como Ratio Studiorum, pelo qual estudavam filosofia, astronomia, ciências naturais, o que os qualificava com os mais bem preparados intelectualmente na instituição católica. A partir de uma rigorosa seleção e de um longo período de iniciação, os noviços eram submetidos a quase 11 anos de instrução contínua, passando por quatro períodos distintas de formação, até atingir a senioridade e status de membro pleno da ordem.
Organizada em moldes militares, a ordem vai ter como um de seus principais atributos a catequização, exercitado durante o período de expansão marítima, em particular nas áreas de expansão portuguesa e espanhola.Este interesse já podia ser vislumbrada em correspondências que datam entre 1538 e 1540, na qual o monarca português D. João III solicita informações a seu embaixador, D. Pedro Mascarenhas, em que este é encarregado de ir a Roma solicitar informações e examinar a nascente Companhia de Jesus, e sua eventual idoneidade para a missão catequética portuguesa3. Este fato demonstra numa fase anterior a unificação dos tronos, em que as atividades econômicas na colônia ainda se concentravam no escambo para exploração dos produtos silvícolas, que a coroa portuguesa já tinha planos de utilizar-se da companhia. Isso em detrimento as inúmeras ordens regulares que já existiam em Portugal. Ora, podemos perfeitamente entender que D. João III, já possuía uma intencionalidade, pois queria sondar quais eram as características da embrionária ordem, assim como também já planejava dar-lhe uma posição de destaque no processo colonizador português.
Distribuídos pelo mundo, da Ásia a América, levavam a palavra cristã, apoiada no modelo de conquista conhecida como da cruz e da espada. Como membros da ponta de lança da conquista, eram os primeiros a chegar nas áreas mais inóspitas e hostis, servindo desde intérpretes e estudiosos das línguas autóctones, passando por funções de organização militar, administradores, cronistas, tutores, chegando a exercer os papéis de engenheiros e arquitetos, demarcando, desenhando e ajudando a construir fortificações e cidades por toda a região americana.
Portugal sem um corpo burocrático-administrativo disponível, acabou relegando aos primeiros missionários jesuítas a função de assumirem diversas funções na estrutura administrativa da colônia, e ficaram responsáveis em muitas missões de distribuir os diversos postos dentre o gentio convertido. Chama-se a atenção para a ausência deste corpo técnico, pois Portugal era essencialmente um país agrícola, tecnicamente atrasado, dependente de um grupo estrangeiro, no caso os judeus e mouros, para exercerem as funções mais especializadas, tanto no aparelho burocrático, como em suas atividades econômicas. Não constitui exagero afirmar que a criação da Companhia, sob a égide da contra-reforma, que perseguia e expulsava as populações tidas como heréticas, e que no caso exerciam as funções especializadas, veio na esteira de uma abrupta interrupção das atividades meio das sociedades ibéricas. Este vazio foi de corpo técnico foi sabidamente preenchido pelos clérigos inacianos, que estiveram efetivamente a frente do processo colonizador, nos séculos XVI e XVII.
A chegada dos primeiros jesuítas ao Brasil, marcou também um período de intensa participação dos missionários na montagem da estrutura administrativa, burocrática e militar das colônias americanas. Os primeiros missionários se correspondiam a seus superiores, mas também se dirigiam diretamente ao rei4. Este acesso demonstra que, vivendo numa sociedade extremamente hierarquizada e formal como a Portugal quinhentista, poucos privavam de um contato mais pessoal com o monarca, privilégio que muitos nobres portugueses e clérigos não possuíam, mas que alguns jesuítas como Manuel da Nóbrega tinham acesso.
Com a unificação dos tronos da península Ibérica, em 1580, a influência espanhola nas possessões portuguesas, leva a consolidação na região do nordeste brasileiro de uma expansão que parte desde os dois principais centros urbanos estabelecidos, Recife e Salvador, rumo as áreas litorâneas mais remotas, que inicialmente se encontravam livres de contato com o conquistador português, e que vinham sendo assediadas por outras potências marítimas, no século XVI, pela a Espanha e a França.
Uma expedição confiada ao português Mascarenhas Homem, tinha como objetivo conquistar a região da Paraíba e do Rio Grande do Norte, devendo pacificar ou subjugar os povos nativos, e marcar presença militar com a construção de um forte na foz do hoje Rio Pontengi. Junto com dois missionários jesuítas, Gaspar de Samperes e Francisco Lemos, a
expedição conquistou e firmou a presença militar planejada.
Gaspar de Samperes era um homem que dominava diversos ofícios especializados e que atuou nas fileiras da Companhia e foi quem projetou o desenho da fortaleza de Reis Magos, pois já exercera antes de sua entrada na Companhia, este ofício de arquiteto militar.
Gaspar de Samperes, alistado na Companhia de Jesus no Rio de Janeiro em 1587, foi preso na defesa do Arraial de Bom Jesus pelos holandeses a três de março de 1635, e foi exilado para as Antilhas e depois para Cartagena de Índias, onde morreu com 84 anos num Colégio da Companhia.
Gaspar de Samperes era um homem tardiamente convertido ao sacerdócio, espanhol, havia lutado durante quase toda a sua vida adulta como militar, tendo sido treinado nas artes da arquitetura militar e dos ofícios militares. Não diferente dos muito missionários jesuítas de sua época, era um homem de muitos talentos, versado em diversas línguas, e um homem extremamente asceta e abnegado. Como parte intrínseca de seu trabalho missionário, era esperado que os membros da Companhia auxiliassem o poder temporal e prestassem assistência inclusive técnica utilizando-se de suas demais habilidades para atingir este tento.
Este breve estudo se detém na análise de uma carta missionária escrita em 1607, pelo missionário Gaspar de Samperes, intitulado “Relação das cousas do Rio Grande, do sítio e disposição da terra”. Esta carta era um relatório anual enviado pelo clérigo aos seus superiores detalhando suas atividades e o estado de sua missão. Esta carta em particular, descreve uma região que hoje compreende os estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte.
Como descrito em seu título, faz um pormenorizado levantamento da disposição dos sítios de terra na região, detalhando a qualidade da terra, a disposição hídrica e pluviométrica e a distribuição das terras ao longo dos cursos de água existentes. Utilizando-nos de elementos da análise do discurso, elaboramos uma breve análise de seu conteúdo, buscando como define o historiador Carlo Guinzburg, aplicar o chamado paradigma indiciário para entender como estes missionários cumpriam suas missões, e levantando a possibilidade de que além de suas atividades missionárias, cumpriam missões de prospecção, isto é o levantamento das potencialidades agrícolas das terras conquistadas, servindo como elementos de inteligência para a Coroa, servindo como especialistas, aptos a observação e descrição das áreas recém incorporados ao patrimônio real.
O texto início descrevendo a localização da área:
O Rio Grande está em cinco graus e meio de altura à parte do sul da linha equinocial. Entraram os Portugueses neste rio e terra para a conquistar o ano de 97, a 25 de Dezembro, reinando o rei Dom Felipe segundo, e sendo seu governador e capitão geral deste estado do Brasil Dom Francisco de Sousa.
Por esta descrição acabamos por entender a sua capacidade cartográfica, já que descreve com detalhes a latitude com a precisão de minutos, além de indicar conhecimento das linhas latidunais, no caso o Equador. Sabemos serem muitos missionários habilitados no uso de instrumentos de navegação, sendo o mais comum aos portugueses, o astrolábio.
O instrumento exigia grande conhecimento da distribuição do mapa celestial, o qual pela triangulação de sextantes permitia a localização com a precisão de minutos, crucial numa época de navegações em circunstâncias extremamente primárias, em que o menor erro poderia levar a um desvio fatal. Esta habilidade fazia parte da instrução regular dos padres, treinados em astronomia. A descrição da carta em questão não é pormenorizada, e na historiografia inexiste qualquer informação para que nos possibilite determinar a origem desta informação cartográfica, mas baseando-se na possibilidade real do missionário ter adquirido a habilidade cartográfica em sua formação militar, fica lançado o indício que demonstra sua capacidade e conhecimento técnico das premissas da cartografia.
Mais adiante segue a narração:
A mor parte da capitania do Rio Grande é terra plaina e sem montes, toda campinas retalhadas de muitos rios e lagoas, todas elas mui a propósito para a criação de gados. Tem também algumas várzeas, capazes de ingenios, das quais a primeira, à banda do sul, quando sai da capitania da Paraíba e entra na do Rio Grande é a que chamam de Camaratiba5, na qual se está já fazendo um ingenio e tem terras para alguns outros. A 2ª é a de Corimataí6 na qual se faz também outro ingenio e tem terras, águas e lenhas e tudo necessário para oito ingenios. A 3ª se chama Iaqui,7 nesta fazem os índios grandes milharadas e lavouras e tem muita cana de açúcar e tem também terras para alguns ingenios. Nesta paragem caem as lagoas, tão grandes e nomeadas, por sua abundância de peixe, entre o gentio da terra, de Guirarira de Upapeva e de Upapari,8 que tem muitas léguas assim de largo como de comprido. A 4ª várzea se chama Taraini9: esta tem excelentes terras para ingenios e estão lá duas Aldeias de índios. A 5ª se chama de Nhundiaí10 tem terras e águas para dous ingenios, e tudo o necessário; esta várzea e Rio é da Companhia e nela tem já situadas casas e roças e um curral de gado. A 6ª é a Várzea do mesmo Rio Grande, do qual toma nome toda a Capitania; esta várzea tem terras e tudo o necessário para três ou quatro ingenios, estao nela já plantadas muitas laranjeiras e outras árvores de espinho, romeiras e muita cana de açúcar. A 7ª é a grande várzea de Siara11 tem de comprido cinco ou seis léguas e de largo quase uma légua; toda ela terra para ingenios tem cana de açúcar mui formosa, e nela os índios fazem grandes lavouras no verão. Grã parte desta várzea é da Companhia de Jesu.
Descreve neste trecho aspectos geográficos, detalhando as regiões que compreendem hoje desde o sul da Paraíba até região do litoral leste do Rio Grande do Norte. Esta faixa litorânea é definida na geografia física como região de Mata Atlântica, de grande pluviosidade, com grande abundância de cursos de rios, lagos e lagoas e de terra de excelente qualidade para as atividades agro-pastoris.Não por acaso as regiões descritas situadas no estado do Rio Grande do Norte, compreende as localidades em que hoje ficam Ares, Baía Formosa, Canguaretama, São José do Mipibu, Nísia Floresta, Pium, Macaíba, Extremoz e Ceará Mirim, todas regiões em que se explora tradicionalmente a cultura da Cana de Açúcar desde o estabelecimento da colonização portuguesa.
Convém destacar que a cultura da cana exige condições específicas de cultivo, que levam em conta três aspectos essenciais, a fertilidade da terra, um regime pluviométrico regular e abundante e mão de obra.
A região da Mata Atlântica já era conhecida dos portugueses desde sua chegada a Pernambuco, onde se estabeleceram as primeiras áreas de plantio e exploração de açúcar por meio de engenhos, copiando o modelo que se havia iniciado nos Açores e Ilha Madeira.
Existiram alguns obstáculos ao cultivo, pois em primeiro lugar as variedades que para cá tinham sido trazidas, ainda não se encontravam plenamente aclimatadas as diferentes características de solo, as doenças nativas e a uma vegetação exótica e desconhecida.
O melhoramento genético aprimorado a partir da hibridização com outras variedades de cana se fez necessário, e estas estavam disponíveis apenas na Ásia, região de onde era nativa a cultura. Como descreve Jared Diamond, o surgimento de um modelo agrícola, associa o domínio de técnicas agrícolas de manuseio, mas passa também pela necessidade de adaptar as culturas a áreas estranhas ao habitat original do cultivar. Esta adaptação passa pelo melhoramento genético só possível, com o cruzamento de diversas variedades, a fim de obter um híbrido resistente e aclimatado ao novo ambiente.
A presença portuguesa na Ìndia, em particular em Goa e na região chinesa de Macau, estivera acompanhada também de missionários jesuítas. A transposição da cana de açúcar para o nordeste brasileiro, foi a cópia do modelo monocultor já testado nos Açores e Madeira. No entanto fora necessário a construção de um novo modelo monocultor, pois a escala, as técnicas e aperfeiçoamentos tiveram que ser adaptados para um novo ambiente.
A probabilidade da existência de especialistas portugueses em técnicas agrícolas era pequena, pois desde expulsão dos judeus e dos mouros, notoriamente empregados pelo domínio dos ofícios agrícolas técnicas, deixara Portugal sem nenhum corpo técnico habilitado a proceder a seleção genética que permitiu mais tarde consolidar o nordeste brasileiro como a região de maior produção açucareira nos séculos XVI e XVII. A maior parte dos primeiros colonos portugueses eram agricultores analfabetos e ignorantes, que praticavam uma agricultura tecnicamente rudimentar e não possuíam em seu cabedal de conhecimentos, as mínimas noções para proceder com sucesso o melhoramento do plantel genético, para melhor adapta-lo as exóticas necessidades locais.
Aparece aqui mais um indício importante da ação dos missionários, pois além do domínio intelectual para as atividades agrícolas, fato largamente documentado, os jesuítas estavam presentes na Ásia e tinham acesso a variedades de cana de açúcar que poderiam ser utilizados para o melhoramento genético da cultura no Brasil.
Devemos ressaltar que os jesuítas, além de exímios militares, tinham entre suas principais virtudes, uma formação eclética. Não podemos descartar a forte possibilidade, de que entre estas qualidades, estariam as de peritos agrícolas. Não por acaso, a expansão e sucesso da cultura em Pernambuco, se dá após a chegada e o estabelecimento das primeiras missões jesuíticas.
Seguindo adiante:
Porque as várzeas todas servem para ingenios, os campos todos para criação de gado e neste particular por comum parecer de todos é a melhor terra do Brasil, porque não tem passo de terra que não aproveite para isso, com excelentes águas; não faltam tampouco muitos matos para fazer rocerias tem os ares muito sãos e, com estar tão perto da linha, não é muito quente.
Esta narração amplia o horizonte desta prospecção, incluindo a pecuária, prática agrícola também trazida da Índia, e que também não fazia parte de uma tradição agrícola portuguesa. Apesar de já se fazer presente, tanto na Europa, com em particular em Portugal, a criação de gado mecum, tinha assim como sua congênere vegetal, que ser submetida a um processo de melhoramento genético, já que as variedades européias estavam adaptadas a regiões temperadas.
A presença de pragas como o carrapato, a mosca do berne, e tantas outras doenças, infligiam pesada perda de produtividade, já que além de estabelecer uma alta taxa de mortalidade, impunha a produção de carne em um patamar inferior, além de afetar a produção de leite e a qualidade do couro. Além disso, as diversas variedades de gramíneas não se prestavam inicialmente ao consumo animal, tendo de ser feita uma seleção metódica, com a adaptação de gramíneas importadas como a brachiaria e o capim elefante, trazidas também da Ásia, para melhorar o rendimento da produção de carne através de uma conversão mais eficaz da carne. Não se pretende aqui esgotar a parte técnica da produção pecuária, mas apenas ressaltar dificuldades, que a historiografia tradicional passa ao largo, ou poucas vezes dá importância. Novamente devemos ressaltar a importância desta análise do papel do jesuíta, pois esta mesma pecuária, vai no caso do Rio Grande do Norte, ser a principal atividade agrícola a partir do final do século XVII, servindo como mercado complementar a monocultura açucareira.
O jesuíta além de buscar as potencialidades agrícolas, está tecendo importantes comentários para o uso da terra, indicando sabiamente existir condições de exploração para
outras atividades, no caso a citação de “fazer roceiras”. Outra vez se destaca mais uma atividade agrícola que será explorada de forma eficaz, o desenvolvimento das culturas de subsistência, o chamado roçado. A cultura da mandioca, ainda que tradicionalmente explorada pelos povos indígenas locais, semi-nômades, não se prestava a exploração em grande escala. Destarte como em outras culturas nativas no Brasil, a mandioca se tornava de difícil cultivo em maiores dimensões, exigindo novamente um conhecimento de melhoramento genético para a sua adaptação. Deve-se ressaltar criticamente que nenhuma
destas atividades agropecuárias era de desconhecimento dos colonizadores e nem dos povos nativos. Sabe-se que muitos dos primeiros colonos eram agricultores experientes.
O que queremos destacar é que o conhecimento necessário a uma rápida adaptação das técnicas agrícolas portuguesas em uma região inteiramente nova, era de domínio de poucos. A troca de informações técnicas entre regiões tão distantes como a América e a Ásia, deveria ser quase nula, e que o único elo em comum, além dos portugueses, eram os versáteis missionários jesuítas. Mais um indício a corroborar suas inúmeras utilidades.
Por fim descreve-se:
Há também nos limites desta capitania, e poucas jornadas de caminho duas nações de Tapuias, copiosas em número de gente, que afirmam os que vão a resgatar com eles, ser grande o número de gente, os quais todos se perdem por falta de obreiros, tendo pazes e comércio conosco, e havendo Residência nesta Capitania, mandando todos os anos a eles, por via de missão, se salvam muitos inocentes, e outros muitos adultos in extremis.
Por fim o levantamento aponta a existência de uma mão de obra local, relativamente abundante e que se presta para a exploração da cultura da cana, que usa intensivamente o trabalho braçal em seu cultivo. Mais uma vez, o jesuíta está presente como agente de pacificação, conversão e doutrinação. Nos anos que se seguem a esta carta, literalmente milhares de indígenas vão ser submetidos ao trabalho escravo, como a principal mão de obra, assunto fartamente tratado na historiografia da época.
Assim apontamos os diversos indícios, que servem como indicação das habilidades que extrapolam as meras funções clericais. A historiografia aponta fartamente a participação dos missionários jesuítas na construção de fortes e cidades, na defesa interna, na mobilização militar, na catequização, na educação, na contra-insurreição, tanto militar, quanto psicológica. Fica assim nesta breve análise levantada a forte possibilidade de que além de missionários, os jesuítas terem assumido as funções de prospectores, servindo de importante elemento na conquista, mas também na implantação do modelo econômico da colônia, pois os indícios apontados podem nos levar a crer que estes clérigos foram agentes do processo civilizador cristão. Com sua grande formação intelectual, suas grandes capacidades técnicas, seu preparo físico e psicológico, transformavam os jesuítas em coadjuvantes ideais no desbravamento e dominação de uma terra desconhecida, que gerou um ciclo de riqueza enorme para as suas metrópoles.
1 Graduandos do curso de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
2 Em acordo com o Concílio de Trento.
4 Cartas, vol. 1, carta 47 (de Manuel da Nóbrega, em julho de 1552, a D. João III), p. 347, n. 9
5 Camaratuba, hoje pertencente à Paraíba, conf. GALVÃO, H. (1979), p.240.
6 Curimataí.
7 Jacu.
8 Guaraíras, Papeba, Papari.
9 Trairi.
10 Jundiaí.
11 Ceará Mirim.
REFERÊNCIAS:
DIAMOND, Jared. Armas, germes e aço.Rio de Janeiro: Record, 2006.
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Mneme – Revista de Humanidades. UFRN. Caicó (RN), v. 9. n. 24, Set/out. 2008. ISSN 1518-3394.
Disponível em www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais
Gustavo Hiroshi Kitayama ghkita@gmail.com
Anderson Bispo de Farias